Foto 1 - " atrás do cemitério, junto a algumas flores de plástico que em vez de terem sido colocadas no respectivo receptáculo juncavam o chão, havia dois fogões a gás, um aquecedor e um microondas..."
Foto 2 - " Dou de frente com a nova sinalética na Avenida do Brasil ..."
Levantei-me ao “romper” das dez e meia da manhã, como convém num primeiro dia de um qualquer Ano Novo. Fui despejar o lixo e reciclei duas garrafas de vidro para o vidrão: uma de vinho tinto “D. Cosme” (Abreu Callado) e outra de vinho verde branco “Aveleda”. Para que não restem dúvidas, qualquer delas me foi oferecida e o camarão que acompanhou o “verdinho” foi comprado numa campanha de redução de preço de 50% numa superfície comercial local, pois que a “minha crise” não se pode dar ao luxo de comprar tais néctares ou crustáceos.
O facto de ter ido despejar o lixo, lembrou-me que no meu tempo de menino e moço, era tradição deitar fora na noite de passagem do ano, os trastes velhos que se tinham em casa: as loiças velhas iam janelas fora e algum mobiliário mais antigo seguia o mesmo caminho. Daí, meter-se-me na cabeça ir fazer uma “ronda” pelos contentores do lixo do nosso burgo, para ver se havia trastes deitados fora.
Desemboquei na Antiga E. N. 243 e verifiquei como estava devidamente varrida, sem lixo. Fiquei contente e segui na minha viagem pedonal. O Centro de Saúde, que em tempos foi considerado um Centro de Saúde de referência a nível distrital, não só pelas suas optimas instalações como pelos equipamento e essencialmente pelas equipas humanas de trabalho, estava deserto. Pensei que estava fechado e fui até à entrada das antigas Urgências onde um papel indicava o novo horário determinado pela ULSNA, que tanta gente pensou não fosse vingar e onde um outro papel dizia que não havia Urgências… Este Centro de Saúde de Avis arrisca-se a ser considerado lixo num ano não muito distante. A ver vamos…
Continuando pelo novo bairro adjacente ao referido Centro, verifiquei como a construção vai avançando, a passo lento, mas vai avançando. Um pai baboso fazia as macaquices próprias que os pais babosos e mães babosas fazem para fazer sorrir os filhos pequenotes. Sem jeito, mas fazem. Encontrei por ali dois contentores do lixo (antigos Caixotes do lixo) mas nada que me convencesse daquela ideia maluca que tivera de que pelo Ano Novo deitamos trastes para a rua. Pensei que por se tratar de um bairro novíssimo e ainda inacabado, os seus habitantes não tivessem trastes, ainda tudo cheirasse a novo, incluído a mobília. Então resolvi prosseguir para outras paragens. E segui. Mas ainda por aqui, pelo Bairro do Centro de Saúde, alguém que gosta muito das suas flores, tapara uma delas com uma saca de papelão por mor da geada não a queimar. Mas hoje não houvera geada. As temperaturas subiram ligeiramente. Não está frio. Do lado do Monte Redondo, vinha o som de uma grande quantidade de tordos e rolas ditas domésticas, que por ali cantavam, nos olivais anexos. Como sempre faço, deitei uma espreitadela respeitosa para dentro do cemitério e seguia, quando tive que voltar atrás, pois que na retina pareceu-me ter visto os primeiros trastes velhos: atrás do cemitério, junto a algumas flores de plástico que em vez de terem sido colocadas no respectivo receptáculo juncavam o chão, havia dois fogões a gás, um aquecedor e um microondas. Mas, pensei e se calhar com razão, que aquela “mobília” já ali estava algum tempo e nada tinham a ver com a tradição, a não ser com a tradição de se deixar o lixo fora do sítio certo. Os “casões” da Câmara já não têm os cães que assinalavam a passagem de qualquer passeante, e o Sr. António, reformado, foi substituído pelos serviços de uma empresa de segurança. Menos um posto de trabalho, penso eu e prossigo.
O Largo da Feira é um grande largo e tem uma vista bonita sobre a nossa vila. O céu está plúmbeo e o Convento de Avis vê-se envolto num pouco de “mistério”…gosto! Os tordos e as rolas e mais uma série de passarada, parece que me acompanharam, parece que se mudaram do Monte Redondo e que vieram agora cantar aqui para as proximidades do Largo da Feira. Gosto. Abrando o passo em direcção ao Bairro do Serradão, e delicio-me com os seus cantes. Parece-me um bom concerto de Ano Novo. É o meu concerto de Ano Novo.
As escadas de acesso ao Bairro do Serradão, continuam lixo e ali mesmo um amigo que havia podado uma videira e colhido uma cesta de tangerinas, se vê desfalcado de uma que eu lhe “roubo”…com sua autorização.
O Bairro, apesar de já ser mais de meio-dia continua a dormir. E de trastes, nada. Percorro-o e dirijo-me agora para a Estrada 244, com o intuito de depois ir passar lá pelos Arrabaldes, zona mais antiga da vila, onde, quem sabe, a tradição ainda seja o que era. Os quintais contíguos à Estrada 244 estão arranjadinhos, semeados. Os alhos já ultrapassaram o “bico dum pardal”, as favas alastram as suas folhas e as ervilhas crescem a bom ritmo. Num deles uma coisa que me fazia falta: uma bela leira de coentros… Uma casa de ar senhorial, mas desabitada, dá guarida a vários regos feitos por uma enxada certeira, mas ainda não se vislumbra nada de nascido.
Da Estrada saio eu, cumprimento o “Grelha Douro” e vou até ao Jardim Público. O quiosque, lá continua fechado: não sei há quanto tempo, nem sei por quanto tempo mais. Lamento ainda não se ter acertado com os arrendatários correctos, pois que me parece estar muito bem situado. Utilizo os sanitários públicos, com portas partidas (já os vi piores) e prossigo. O lago rectangular continua azul, mas as luzes que o iluminam ainda estão todas acesas. É pena, pois que já é mais de meio-dia e é um desperdício de energia e de euros. Mais abaixo, naquela espécie de “coreto” só não estão as quatro luzes acesas porque uma está fundida…há males que vêm por bem…
Para que não perca muito mais tempo, inflicto à direita e sigo pelos limites do Ferragial das Amendoeiras. Tenho a boca seca. Está um pouco abafado. Umas laranjeiras bem carregadas de suculentas laranjas, fazem-me crescer água na boca. Tenho calor e sede. Uma laranja vinha mesmo a calhar. Tenho pena de não ser cigano. Como não o sou, prossigo com a minha sede e deixo as laranjeiras com as suas laranjas…
Dou de frente com a nova sinalética na Avenida do Brasil que proíbe o trânsito no sentido da R. 1º de Maio para a Rua do Plano de Urbanização.
Faço uma retrospectiva dos trastes que não encontrei. Paro um minuto a reflectir e encontro um amigo. Os planos são alterados, não chego a ir às ruas dos arrabaldes da minha vila e vou parar directamente à Serpa Pinto. Dali, voltei para casa, com meia missão cumprida. O encontro com um amigo vale bem mais que todos os trastes que se possam deitar fora, ou não, numa passagem de ano.
Até casa ainda passo pela nova “unidade comercial” chinesa, ali bem perto do novo centro nevrálgico da vila de Avis e nas antigas instalações da Agrimoz. Apesar de hoje ser dia de Ano Novo, apesar de hoje ser Domingo, estavam lá, a trabalhar, quatro chineses, que eu visse... E fiquei satisfeito. Sabem porquê? Porque quando a EDP determinar que a factura da electricidade se pode pagar em qualquer loja de chineses, tenho o meu novo posto de pagamento bem mais perto da minha casa.
Entro em casa um pouco desiludido com o fracasso da minha prospecção. Se calhar, esta coisa do “lixo” apenas existiu na minha cabeça.
Uma coisa é certa, para o ano, se eu existir, e se existir se puder, e se existir e se puder e se me lembrar, hei-de começar lá pelo outro lado da vila, pela Rua das Videiras, e se calhar tentar saber quantas pessoas vestiram cuecas azuis para terem sorte em 2013…isto apesar de eu gostar mais do vermelho...
Vamos esperar.