A PLACA
Ia eu a subir pelo Arco da Torre da Rainha quando ouvi:
- Psst! Psst! Senhor da máquina…
Olhei em redor e não vi ninguém.
- Sou eu, esta placa “altalhona” que aqui está ao pé destas pequenas…
Fiquei admirado mas aproximei-me.
- Desculpe mas eu gostava de falar consigo um bocadinho…
- Tá bem, mas despacha-te que o sol bate aqui de chapa e está um calor do caraças…
- Eu sei senhor, eu sei, que o apanho aqui todos os dias…
- Mas afinal o que é que tu queres?
- Ó senhor, eu estou muito triste. Já viu que me puseram aqui duas placas novas, todas bonitas e para mim, que é suposto ser um sinal de trânsito ninguém repara em mim com olhos de ver? Já viu que eu não me pareço com coisa nenhuma? Sei lá…se calhar pareço para aí uma boca a que falta um dente ou outra coisa qualquer incompleta. Em tempos tive duas setas: uma azul (seria? já não me lembro) do lado direito que indicava que quem sobe tem prioridade e outra de uma cor preta/acastanhada do lado esquerda. Há anos que me caiu o dente, quer dizer, que me saltou a seta azul e agora para aqui estou inesteticamente tentando cumprir uma obrigação que faço mal – sou deficiente. Mais um(a) neste Portugal a cair aos bocados…- Olha lá, não estarás a exagerar? Eu, que me lembre, sempre te conheci assim.
- Tenho tantos anos que já não sei há quanto tempo aqui estou, mas se calhar já aqui estou desde os tempos do Ti Tonho. E não acredito que eles me iam colocar aqui já defeituosa.
- Lá isso…
- E repare: a minha mana que está do lado de cima do arco, no Largo do Convento, apesar de ser minha irmã, tem as duas setas e é redonda. Porque é que eu hei-de ser diferente?
- Ó pá não te chateies com isso. Há coisas muito mais importantes para resolver.
- Isso diz você que não tem coração. Eu a precisar de ajuda, e nada…- Tá bem, talvez eu vá tentar encontrar uma lata de tinta azul para te pintar todo o fundo; uma de tinta branca e pintar-te a seta que te falta do lado direito no sentido ascendente e pintar a outra seta de vermelho no sentido descendente. Ficas contente?
- Fico senhor. Olhe, tire-me um retrato para eu depois ver como era e como vou ficar. E para lhe pagar esse seu favor quero dizer-lhe que já pode passar ali para os lados da Cerca do Convento de carro. Vá lá ver que dizem que está bonito. À volta para cá conte-me.
…….///….- Olha placa, já fui ver a cerca. Fui por aí fora no carrinho e sabes o que me aconteceu? Mesmo ao fim das obras, lá na Porta do Postigo é que estava uma placa a dizer que era proibido passar. Estás a ver, fiquei entalado! Aproveitei para visitar uma pessoa que mora ali para os lados da Rua das Videiras, deixei o pópó e fui a pé. Depois fiz inversão de marcha e quando cheguei junto ao Bar do Convento (passe a publicidade), o caminho estava barrado com uma trave assente em duas pedras. Estava entalado de novo. Lá tive que, a grande custo desviar a pesada trave, mais o contentor do lixo, passar e depois colocar a trave e o contentor no mesmo sítio. Ora se ali estivesse uma placa igual à que se encontra no final das obras eu não teria avançado e era tudo muito mais fácil para mim que até tenho uma hérnia discal.
- Talvez que agora o senhor já dê a devida atenção às placas…
- Tá bem, amiga, mas apesar disso gostei do que vi. O espaço está agradável e começa a ficar bonito à vista. Olha faz-me um favor: hás-de tentar saber se as árvores que colocaram na cerca, com a finalidade de fazer sombra, são primas das que estão no estacionamento automóvel do Largo Sérgio de Castro, que de sombra não têm nada…
- Sim senhor, mas só se você me trouxer a tinta branca, a vermelha e a azul…lembra-se da nossa conversa desta manhã?
- Chantagista!