Já me encontro em pleno gozo das minhas faculdades cívicas num recolhimento de reflexão e de tentativa de auto-esclarecimento, de arrumar, de filtrar toda a informação que me foi debitada sobre o aborto. Estou (ainda estou) confuso. “Porque és burro!”, dirá você caro leitor que vê em mim, tal como você, um acérrimo defensor do SIM e “Porque és burro!”, dirá igualmente você para quem eu sou, tal como você, afinal um mais que evidente defensor do NÃO. E eu, perante as vossas certezas chego a julgar-me mesmo burro. Afinal o que é que eu faço?
Os do SIM dizem que votar SIM é defender a vida humana. Mas o meu cardiologista disse-me que não pode votar sim porque todos os dias se esforça para manter vivas pessoas a quem resta pouca esperança de vida e por isso não pode contribuir para a morte de um ser que tem toda uma vida pela frente. Em que ficamos? Afinal o que é que eu faço?
Os do NÃO dizem que há que defender a vida de um ser a emergir esquecendo a vida da mãe, enquanto os do SIM defendem a vida da mãe esquecendo a vida do ser a emergir. Afinal o que é que eu faço?
Os do SIM dizem-me que se ganharem, abortar vai ficar economicamente mais barato mas os do NÃO dizem-me que o Ministro Correia de Campos já faz contas ao encaixe que vai facturar com os abortos legalmente assistidos. Afinal o que é que eu faço?
Os do SIM dizem que se o NÃO ganhar não se mexe na lei, fica tudo como está, tomando assim uma posição de força não dialogante, o que vai contra os meus princípios. Afinal que é que eu faço?
Os movimentos que começaram por ser de formação espontânea(?), de movimentos cívicos depressa se partidarizaram: na sua generalidade, os do centro/direita votam NÃO os do centro/esquerda votam SIM. E eu, afinal o que é que eu faço?
A campanha acabou há pouco mais de uma hora e de então par cá estou sozinho, pensativo, pesando os prós e os contras, sem saber o que fazer e com as unhas já roídas até ao sabugo. Vai ser um martírio até Domingo à hora da abertura das urnas. Nesse dia lá estarei bem cedo para me livrar deste peso que é a indecisão. E aí, afinal o que é que eu faço?
Mas agora sabem o que é que eu faço? Vou tomar um Pacinone 40mg (um não, dois: um pelo SIM e outro pelo NÃO) para ver se ao menos durmo descansado sobre este assunto, no pressuposto de que a noite é boa companheira, e de que adormeça na esperança de logo, acordar mais iluminado.
Ah! E você não se esqueça: amanhã, pelo SIM pelo NÃO, vá votar também. Combinado?