Transcrição de um excerto do livro “OS COMERES DOS GANHÕES – Memórias de outros sabores”, de Aníbal Falcato Alves, editado em Maio de 1994.
"Depois, quando não tínhamos trabalho, íamos para o campo apanhar essas ervas bravas, que era, então, o que a gente comia. No campo, apanhavam-se as alabaças, as baldoregas e outras qualidades de ervas.
Depois, aquelas alabaças, tão boas, que a gente fazia na tigela de fogo, com um feijãozinho, mas só do frade, que era o mais barato. Agora, é que a gente já come pouco feijão frade. Mas, dantes, era o feijão frade que andava sempre na casa dianteira.
E fazíamos aquelas sopinhas com as baldoregas, aquelas sopas tão boas.
As baldoregas, fazia-as a gente com alhos e, quando tínhamos, punham-se umas batatas. Com umas batatinhas, aquilo era um manjar.
Queijo para as baldoregas, isso é que não havia. O queijo era muito caro. O queijo que havia era só para os patrões.
E as baldoregas, e essas coisas assim, nunca as davam à gente. Diziam eles que ficavam muito caras mandarem um homem colhê-las.
Maria Benedita de Jesus Bicho (Sabachoa), 59 anos, casada, sabe ler, operária agrícola reformada, natural de Pavia."
Os tempos passam, as vidas tomam novos rumos e pelos mesmos motivos e por motivos diferentes, hoje ninguém vai ao campo às beldroegas, pois que continuaria a ser muito caro pagar a quem as apanhe, mas principalmente porque entraram no esquecimento da nossa culinária. Mas quem gosta de beldroegas vai mesmo a elas para o campo.
Eu gosto de beldroegas. Ontem fui ao campo e apanhei um belo molho delas. Arranjei-as, isto é, cortei-lhe cuidadosamente as folhas e os talos mais tenrinhos para dentro de um alguidar, deitando fora os talos duros e as pontas que já apresentavam inícios de floração. Arranjá-las é o que dá mais trabalho: parece que nunca mais se acabam. Depois foi cozinhá-las desta maneira tão simples:
Numa panela funda cobri-lhe o fundo com uma significativa camada de cebola. Sobre esta uma camada de batatas cortadas às rodelas, a seguir uma camada de beldroegas muito bem lavadas. Novamente uma camada de cebola, outra de batatas e outra ainda de beldroegas. De notar que a última camada deverá ser sempre de beldroegas. Juntei-lhe meia dúzia de dentes de alho, lavados mas com casca. Reguei com azeite, sal e colorau q. b. e levei a lume brando. A pouco e pouco fui juntando alguma água, mas pouca de cada vez, não esquecendo que a própria cebola e as beldroegas produzem molho. Quando quase cozido, juntei três ovos partidos para cozerem, tendo o cuidado de os deitar na panela, mas no sítio onde a fervura era mais intensa. Cozidos os ovos, estava o “manjar” acabado. De notar que não lhe juntei queijo por opção, imposta pelo facto de um elemento do meu agregado familiar repudiar o queijo e o seu cheiro.
Quem gosta de cozinhar e cozinha, tem vários prazeres adicionais em relação a quem só gosta de comer: é que se delicia desde logo com as cores dos vários temperos misturados; delicia-se com os cheiros dos refogados, e acaba deliciando-se com aquele prazer supremo que é poder comer um prato genuinamente alentejano, como o é uma boa “pratada” de sopa de beldroegas e dizer batendo no ventre proeminente:
- Está uma maravilha e fui eu que o fiz! Que me faça muito bom proveito!